O futuro do RH e o Analytics

Recentemente tive a oportunidade de assistir a uma apresentação de Gil Giardelli – renomado professor, escritor, conferencista e, como ele se descreve, “difusor de conceitos e atividades ligados à sociedade em rede, inovação, colaboração humana, economia criativa e estudos do futuro” – falando sobre o momento atual, a evolução da sociedade (colocado como “Sociedade 5.0”) e neste contexto o papel das áreas de recursos humanos frente à nova realidade que se inicia.

Alguns pontos de sua apresentação chamaram especialmente a minha atenção:

  • A primeira delas, a conclusão de que a obsolescência nunca foi tão grande ou tão rápida. O caminho para o futuro está criando demanda por profissões jamais imaginadas há pouco mais de 20 anos. O cientista de dados, que é uma das novas funções mais populares, não é mais o futuro, mas sim o agora, o presente. Entre os profissionais do futuro estão engenheiros de nanorobôs, arquitetos de novas realidades, designers de órgãos 3D, roboticistas, entre outras;
  • Uma das diferenças entre o conceito da indústria (ou sociedade) 4.0 para a sociedade 5.0 é que o foco da primeira está na automação de processos, sem grandes preocupações com as consequências dessa automação nas pessoas; já a segunda passa a defender que temos que usar toda a tecnologia que vem sendo desenvolvida também para as pessoas, para fomentar desta forma uma sociedade mais inteligente, com economia mais inclusiva, não olhando apenas para o objetivo de fabricar mais ou de gerar mais demanda.

Tudo isso é muito novo para todos, mas essas realidades me fizeram refletir, inclusive, sobre como os profissionais de recursos humanos estão se preparando para este futuro tão desafiador: recrutar talentos quase desconhecidos, desenvolver pessoas em velocidade maior do que a obsolescência, prestar assistência e preparar as pessoas para as fortes mudanças culturais no ambiente e nos processos de trabalho, tudo isso de forma autônoma e alcançando o reconhecimento do valor estratégico da área para o negócio.

Entre 2016 e 2017, mais ou menos, eu tive contato pela primeira vez com o termo “People Analytics”. Embora eu não estivesse a par deste conceito e desconhecesse completamente essa possibilidade de futuro que nos aguardava, ver a aplicação do Analytics como ferramenta de orientação à tomada de decisão das áreas de Recursos Humanos foi muito gratificante para mim, como consultora em Analytics, pois foi mais uma prova do valor do qualitativo e do quantitativo, do exato e do humano, trabalhando e gerando valor juntos.

Uma pesquisa divulgada em janeiro de 2020 no jornal Valor Econômico, com 7 mil profissionais de RH em 35 países, mostrou que as ferramentas de Analytics ainda não estão incorporadas aos processos das áreas e são pouco exploradas com o caráter de ampliação do valor estratégico do RH para os negócios:

Fonte: https://valor.globo.com/carreira/noticia/2020/01/27/radar.ghtml – acesso em 15 de junho de 2020
  • A cultura do Analytics entre as áreas está direcionada em primeiro lugar aos indicadores de performance dos funcionários (68%);
  • Com 10 pontos percentuais a menos em representatividade, há o Analytics aplicado ao planejamento da força de trabalho (58%), como a segunda principal aplicação.

Trazendo um outro dado desta mesma publicação: “nos últimos cinco anos, o número de profissionais de recursos humanos (RH) com habilidade de análise de dados cresceu 242%, segundo o LinkedIn”.

A área de Recursos Humanos é, de modo geral, uma área meio e não área fim nos negócios, portanto torna-se mais desafiadora a formalização ou a quantificação de qual seja a contribuição da área aos resultados da companhia.

Quanto custa uma contratação equivocada? Qual o ROI (Retorno sobre Investimento) do treinamento de uma equipe? O que se ganha com a adoção de um plano de carreira? Para que investir em ações de engajamento e clima? Qual profissional de RH nunca ouviu pelo menos uma destas perguntas no seu dia a dia não é mesmo?

Adotando o Analytics na área Recursos Humanos

O que diferencia o People Analytics das demais ferramentas de gestão de Recursos Humanos é o processo de registro e análise de dados e não tenho dúvida que o Analytics seja o primeiro passo na transformação e preparação das áreas de Recursos Humanos para essa nova era.

Por meio do Analytics pode-se estabelecer a partir de padrões identificados estatisticamente qual a chance de um funcionário faltar no trabalho, abrir uma ação trabalhista ou pedir demissão. Esse conhecimento prévio pode ser um dos direcionadores da decisão por contratar ou não uma pessoa para determinada função. Da mesma forma, modelos estatísticos podem direcionar a alocação correta de funcionários para projetos específicos.

Quando se entende quais são os atributos que afetam o ambiente de trabalho e o quanto eles afetam as pessoas, torna-se possível a criação de planos de ação mais direcionados, a mensuração do ganho esperado e consequentemente a adesão da alta direção aos programas, mudanças e inovações propostas pela área e a retenção dos talentos. O Analytics se aplica ao conhecimento real jornada do funcionário, suas motivações enquanto profissional e seus objetivos enquanto indivíduo (People Centricity).

Políticas de promoção por meritocracia estruturadas a partir de dados representativos de cada negócio (de cada realidade interna, num dado momento no tempo), estabelecimento de curvas estatísticas para criação de planos de carreira e determinação da política salarial tornam o processo altamente transparente e assim o colaborador estará desde o início consciente das regras e entregas para ascensão na empresa, o que minimiza eventuais ruídos e conflitos com relação ao tema e ao mesmo tempo orienta o que aquele colaborador deve buscar caso sinta-se motivado.

Um processo de avaliação de desempenho é uma ferramenta de gestão tradicional em Recursos Humanos. Associada aos indicadores de performance e à algum modelo matemático torna-se também uma ferramenta extremamente valorosa na determinação das metas individuais das pessoas e no direcionamento dos líderes de equipe e profissionais de desenvolvimento àquelas que apresentem mais dificuldade no cumprimento das mesmas.

Aumento ou redução de demanda, implementação de novas tecnologias aos processos, mudanças na legislação e determinação de medidas provisórias são exemplos de fatores que podem afetar diretamente o dimensionamento e o custo da força de trabalho. Aqui destaca-se também o Analytics, possibilitando a criação de cenários frente a estas diferentes possibilidades de mudanças e fornecendo conhecimento acionável para a tomada de decisão (respondendo “como ficaria se A ou B acontecer?”).

De onde vêm os dados que alimentarão o Analytics? Onde eles estão?

Nos registros de ponto, nas caixas de sugestões, nos registros de atendimento, nas carteiras de trabalho, nas pesquisas de clima ou avaliações de desempenho, no job description, nos indicadores de desempenho e metas, nos processos da área, mas também fora da empresa, nas redes sociais, nos veículos de informação e nas inúmeras fontes de dados que estão disponíveis hoje em dia.

Não podemos confundir a cultura do Analytics e da transformação digital com adoção de sistemas de informação e tampouco queremos que os profissionais de recursos humanos sejam confundidos com cientistas de dados. De nada servirá um sistema incrível de registro de dados se eles não puderem ser analisados, contextualizados num cenário real e transformados em conhecimentos direcionadores de ação.

O futuro está aí e a transformação começa agora, com a adoção de dados representativos da realidade interna suportando a gestão de pessoas, aumentando a efetividade das decisões e reduzindo custos.

Daniela Benetti Pelagalo – especialista em inteligência de mercado, pesquisa e estatística aplicada, professora universitária e fundadora da Maena Inteligência Analítica.

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