4 passos para a criação de um bom questionário de pesquisa

Pesquisas quantitativas são aplicadas quando o pesquisador quer concluir algo acerca de um fato. São exemplos de pesquisas quantitativas os testes de produto, estudos de hábitos e atitudes, de satisfação de clientes, dimensionamento de demanda, equity de marca, awareness de campanha, entre outras.

Seja ela descritiva ou causal, o sucesso de uma pesquisa quantitativa está diretamente relacionado à qualidade do questionário utilizado para coleta dos dados já que a última coisa que o pesquisador quer é que uma pessoa desista de responder ao seu questionário por não compreendê-lo ou se sentir representado nele.

A importância do questionário torna-se ainda mais definitiva para o resultado final do estudo se considerarmos que a pesquisa quantitativa tem diferentes canais de coleta, ou seja, diferentes formas de acessar os entrevistados (CATI, CAWI, Face-to-Face, WebSurvey, via App, SMS e por aí vai).

Contribuindo com o momento DIY (do it yourself), reunimos neste documento um caminho passo a passo e os principais cuidados que todo aquele que deseja realizar uma pesquisa quantitativa deve ter no momento da criação deste instrumento de coleta, seja você profissional ou não do mercado de pesquisa.

O processo para criação do questionário

Etapa 1 – Decodificando o objetivo de pesquisa em questionário

Quando você tiver claro qual é o objetivo da pesquisa que será realizada, terá condições de refletir sobre quais análises trarão as respostas que busca. Isso mesmo! No momento do planejamento do questionário, se você souber quais as análises estatísticas e cruzamentos pretende aplicar, certamente não terá problemas em conseguir as respostas que procura.

Por exemplo, se quer entender drivers de mercado, você precisará de uma bateria de perguntas que expressem o comportamento dos entrevistados; se você quer um posicionamento frente à concorrência, precisará de perguntas para levantar quais são os concorrentes, como eles são avaliados e o tipo de experiência que o entrevistado tem com a concorrência; se precisa compreender pequenos níveis de variação nas avaliações, não poderá trabalhar com perguntas cujas opções de respostas sejam simplesmente sim e não.

Parece simples, mas muitas vezes não conseguimos chegar à segmentação de clientes ou análises de causa e efeito entre atributos por consequência da forma como as perguntas foram apresentadas no questionário.

Não se esqueça de dimensionar bem o tempo de aplicação deste questionário e analisar a adequação deste tempo necessário com o entrevistado ao método de coleta: pesquisas por online precisam ser mais rápidas do que pesquisas presenciais, por exemplo.

Etapa 2 – Estruturando o questionário

Um bom questionário precisa ser estruturado e organizado. As perguntas devem ser apresentadas de tal forma a deixar o entrevistado envolvido com o tema e confortável para responder com total sinceridade.

Alguns fatores que prejudicam o envolvimento do entrevistado são a falta de informação sobre o propósito da pesquisa, o desconhecimento do tempo de aplicação do questionário, a ideia de que suas respostas individuais serão identificadas e a justificativa do porquê ele está sendo abordado. Uma boa introdução do tema – seguindo os limites do que pode ser compartilhado com ele, é claro – são fundamentais para conseguir a atenção desejada.

Antes de colocar uma pergunta no questionário, reflita:

  • Esta pergunta é realmente necessária? O que eu ganho com ela?
  • Estou oferecendo todas as opções de resposta possíveis? Posso perder alguém por esta pessoa não saber o que responder?
  • Todos poderão responder a esta pergunta ou há necessidade de alguma questão anterior que funcione como um filtro?

Sabendo os temas a serem pesquisados e o que se espera obter de cada pergunta, procure distribuí-las no questionário seguindo uma ordem lógica:

  • Inicie pelas perguntas de mapeamento do perfil, para saber se a pessoa está apta a participar da pesquisa;
  • Aborde a questão de gênero do entrevistado de forma não binária;
  • Organize as perguntas sobre temas similares em blocos;
  • Não mude de assunto de repente, avise ao entrevistado o que será tratado em cada bloco;
  • Não retome um assunto que já foi tratado, pelo menos não de forma dependente de respostas anteriores;
  • Deixe perguntas pessoais que podem ser consideradas indiscretas para o fim do questionário;
  • Quando houver uma bateria de perguntas (perguntas avaliadas em uma mesma escala, sem dependência uma da outra) procure apresentar aos entrevistados de forma rodiziada para evitar possíveis vieses;
  • Nestas baterias de perguntas, procure ainda modificar a ordem de avaliação das escalas (algumas em ordem crescente e outras em ordem decrescente) para que o entrevistado seja levado a responder com atenção cada uma delas.

Como trata-se de um instrumento de coleta estruturado, o questionário é muito mais limitado no que diz respeito à capacidade de captação de informações que não foram previstas (se não foi perguntado, não será respondido).

Procure sempre apresentar pelo menos uma pergunta aberta ao entrevistado, ou seja, aquela em que ele irá declarar (explicar, falar, narrar) sua resposta. Essas perguntas são fundamentais para que você tenha condições de captar informações importantes não previstas no questionário.

Perguntas abertas são aplicáveis quando se quer captar sugestões, oportunidades de melhoria ou explicações.

Etapa 3 – Criando os enunciados das perguntas

Nem sempre podemos descrever o enunciado de uma pergunta da mesma forma que faríamos em uma conversa presencial. Como disse Malhotra, “um mau entendimento acarreta em alta incidência de respostas incertas ou nulas” (MALHOTRA, 2001).

Levar em consideração a forma de coleta, o tipo de público que será pesquisado e o tema que será tratado são fundamentais para conseguir enunciar questões de forma adequada.

Abaixo apresentamos algumas características (MALHOTRA, 2001) que devem ser evitadas ao se criar os enunciados das perguntas:

a) Pergunta de duplo efeito: quando se faz uma pergunta considerando a avaliação de duas características.

Por exemplo: “como você avalia a cordialidade e a agilidade do nosso atendimento?” Há dois atributos a serem avaliados, mas apenas uma possibilidade de resposta – isso pode deixar o entrevistado confuso e sem saber o que responder, além disso, você nunca terá certeza se o resultado desta pergunta reflete mais a opinião do público com relação à agilidade ou à cordialidade da sua equipe.

Numa situação como essa, separe os atributos e faça duas perguntas.

b) Efeito telescópio: quando o entrevistado é levado a lembrar de alguma coisa em um período de tempo.

Por exemplo: “qual é a marca de chocolate que você comprou há duas semanas?” A necessidade de saber o que o entrevistado usava há exatamente uma semana é o problema, pois ele pode não se lembrar, ou não ter certeza do tempo (ainda mais atualmente, onde as semanas têm passado tão rápido). A capacidade de lembrança do tempo em que as coisas aconteceram é algo muito complexo, pois envolve a natureza do que está sendo perguntado e elementos que ajudem na memorização.

Em situações assim, tente trazer ao entrevistado elementos que possam ajudá-lo a se lembrar da ocasião e fazer perguntas anteriores/ adicionais que o ajudem a “construir” sua resposta, mas sem torna-la tendenciosa.

c) Tendenciosidade: aquela pergunta cujo próprio enunciado já sugere ao entrevistado qual deva ser a sua resposta.

Por exemplo, “você acha que os brasileiros deveriam comprar carros importados, quando isso poderia tirar os empregos dos brasileiros?”. No enunciado você já dá argumentos para que o entrevistado responda ‘não’.

Esta pergunta deveria não trazer o “quando isso poderia tirar os empregos dos brasileiros” ou ainda ser formulada de forma hipotética como “você acredita que os brasileiros comprariam carros importados?”.

d) Ambiguidade: quando se apresenta ao entrevistado possibilidades de respostas que possam ter o mesmo sentido e possam ser interpretadas de forma diferente por diferentes entrevistados.

Por exemplo: “com que frequência você faz compras em shoppings?” e as opções de resposta são: nunca, ocasionalmente, às vezes, regularmente, frequentemente. Num primeiro momento qual seria a diferença entre ‘regularmente’ e ‘frequentemente’, por exemplo?

Procure sempre trabalhar com opções de respostas claramente diferentes, para que tenha, ao final, a resposta clara àquilo que queria saber, sem depender da interpretação das pessoas.

e) Alternativas implícitas: quando a negativa de uma pergunta não significa necessariamente a concordância com outra.

Por exemplo: “você prefere comer massa às quintas-feiras?” O fato de a pessoa dizer que não, não significa necessariamente que ela prefira comer massa aos domingos.

Uma pergunta como esta deveria ser formulada da seguinte maneira: “você prefere comer massa às quintas-feiras ou aos domingos”? ou ainda “há algum dia na semana em que você prefira comer massas do que outro tipo de alimentos? Se sim, qual dia?”

f) Estimativas: quando se espera que o entrevistado responda a partir de cálculos.

Por exemplo: “qual é a renda per capita em sua casa” ou ainda “quanto imagina gastar em média como os presentes de Natal este ano?”

Ao invés disso, pergunte ao entrevistado a sua renda familiar e o número de pessoas na sua lista de presentes, ou ainda, pergunta quanto ele gastará com presentes de Natal este ano e quantos presentes ele deverá comprar. Separando as perguntas, as respostas do entrevistado tendem a ser mais reais e você poderá chegar facilmente ao índice que procura.

Etapa 4 – Definindo o método de escalonamento

Um método de escalonamento é a forma pela qual as perguntas serão mensuradas, ou seja, as opções de resposta que serão oferecidas ao entrevistado.

Existem basicamente três tipos de escalas:

  1. Escalas nominais: aquelas em que as opções de resposta correspondem a nomes (por exemplo: sim / não; São Paulo / Rio de Janeiro). Os números utilizados para tabular tais respostas na base de dados não representam qualquer relação de grandeza entre as opções da escala.
  2. Escalas ordinais: aquelas em que as opções de respostas ainda correspondem a nomes, mas que é possível estabelecer uma ordem, ou relação de grandeza entre as opções da escala (por exemplo: ótimo / bom / ruim / péssimo; faixas de idade).
  3. Escalas de razão: aquelas em que as opções de respostas são numéricas (por exemplo: notas de 0 a 10; ordenação).

Os métodos de escalonamento podem ser ainda:

  • Comparativos: onde as perguntas comparam diretamente dois ou mais aspectos (dois produtos; duas empresas; duas propostas; etc). Neste tipo de método o entrevistado é apresentado a dois ou mais aspectos no mesmo momento e a decisão é tomada sempre considerando aspectos positivos e negativos de cada um (mesmo que inconscientemente).

Existem diversas técnicas comparativas de escalonamento. Entre elas as mais comuns são:

  1. Comparação por pares: técnica em que os aspectos são apresentados dois a dois e é solicitado ao entrevistado que escolha um deles (de acordo com sua preferência, importância, satisfação, etc).
  2. Ordenação por postos: técnica em que os aspectos são apresentados como uma lista e é solicitado ao entrevistado que os ordene segundo algum critério (importância, preferência, satisfação, etc).
  • Não comparativos: onde o entrevistado é levado a pensar e responder apenas sobre um aspecto, sem estímulos diretos de fatores que possam influenciar sua resposta.

Também existem alguns métodos não comparativos de escalonamento; apresentaremos os mais comuns:

  1. Escala Likert: escala normalmente com cinco opções de resposta, de relação crescente entre as opções, onde cada uma das delas tem um significado definido (por exemplo: concordo totalmente / concordo / não concordo, nem discordo / discordo / discordo totalmente).
  2. Diferencial Semântica: escala normalmente com sete ou onze pontos, onde apenas os extremos têm significado definido (por exemplo: notas de 0 a 10, onde 0 significa péssimo e 10 significa excelente).
  3. Stapel (ou JAR): escala normalmente com cinco opções de resposta onde a opção central da escala representa o ponto ideal (por exemplo: muito mais doce do que eu gosto / mais doce do que eu gosto / doce como eu gosto / menos doce do que eu gosto / muito menos doce do que eu gosto). Esta escala também é conhecida como “pênalti”.

Cada escala tem o seu objetivo e a sua aplicação. O método de escalonamento é decisivo para a viabilidade de aplicação de ferramentas estatísticas e compreensão dos resultados.

Cuidado com o uso de imagens: elas podem tendenciar as respostas.

Não deixe de mapear se as perguntas são do tipo resposta única (onde apenas uma opção da escala é aceita) ou resposta múltipla (onde é possível ter, para a mesma pergunta, mais de uma resposta).

Daniela Benetti Pelagalo – especialista em inteligência de mercado, pesquisa e estatística aplicada, professora universitária e fundadora da Maena Inteligência Analítica.

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